Rosana
Schwartz
O preconceito de raça/cor e
etnia não é um tema fácil, faz parte de um corolário (conjunto) de resistências
e carrega uma história complexa. No século XV a cor da
pele de um ser humano caracterizava condição de inferioridade ou superioridade.
Indivíduos de pele escura originários de alguns povos convertidos ao islamismo atravessaram
o estreito de Gibraltar em 711 e permaneceram na Península Ibérica até a
conquista de Granada, em 1492, pelos reis católicos Fernando de Aragão e Isabel
de Castela. Os vencedores cristãos (brancos) conduziram à escravidão os
derrotados nas batalhas e capturaram em territórios muçulmanos muitos outros
indivíduos para o trabalho escravo, tanto nas cidades como nos campos.
Difundiu-se assim, a idéia de que não era errado capturar muçulmanos e vendê-los
para o trabalho escravo. A cor escura das suas peles significava simbolicamente
inimigo da fé cristã. Escravidão é a prática social em que um ser humano assume direitos de propriedade sobre outro designado por escravo, o qual é obrigado a tal
condição por meio da força. Sem diferenciação das suas culturas, africanos
de diversas nações foram denominados de forma genérica e homogenia de “negros”ou
"pretos". (TINHORÃO, 1988). Por isso “Negro” é uma invenção. A violência simbólica das “cores” das
pessoas acompanhada das suas origens geográfica, locais de nascimento é fruto
de jogos de poder realizados pela construção de comportamentos e produções
humanas, históricas, culturais, sociais objetivas e subjetivas. Com o racionalismo e desenvolvimento das ciências modernas, nos séculos
XVIII e XIX, as diferenças físicas ganharam explicação científicas, por meio
das teorias das raças ou racistas. Nelas afirmavam-se que existiam raças
biologicamente superiores e inferiores. Crenças científicas, oriundas das
concepções do Darwinismo Social e do Determinismo Racial,[1] colocaram os africanos nos
últimos degraus da evolução das “raças” humanas. Nascia assim, no mundo
moderno, o racismo anti-preto ou negro. No Brasil as denominações
“pretos” ou “negros para os africanos de eito, ganho ou doméstico, durante a primeira metade do século XIX, se tornaram comuns
e a de “crioulos” para os nascidos no Brasil. Segundo o sociólogo Norberto Elias, a reprodução dos preconceitos de raça e etnia
aparece de diferentes modos. O primeiro modo seria a pobreza, pois o dominante
precisa monopolizar as melhores posições sociais, prestígio social para
expressar seu poder. Dessa maneira a pobreza é vista como decorrência da
inferioridade natural dos despossuídos. O segundo modo é atribuir como
características definidoras do grupo estigmatizado a desorganização social e
familiar. Esses estabelecimentos buscam
uma “marca”, uma referência para justificar o desequilíbrio entre as relações
de poder. No Brasil o preconceito racial não é plenamente visível em
decorrência da ambiguidade dos grupos que compões a sociedade. Nos anos de 1980 o
Movimento Negro Unificado - MNU, declarou necessidade de desconstruir o racismo
“escondido” no Brasil. A ideia de “democracia
racial”, em suas inúmeras versões impedia a organização das lutas
anti-racistas. Para desmitificar esse conceito a princípio, os movimentos
tiveram como base de sustentação os movimentos negros norte-americanos, que
tiveram como luta inicial, os direitos civis e contra a segregação racial. Expuseram o processo de abolição não como um presente da
princesa Isabel, mas uma conquista de negros e brancos unidos pelo ideal de
liberdade, igualdade e equidade. Manifestações, organizações de grupos e
quilombos, pressionaram a sociedade a ponto de levar á Lei Áurea, entretanto
essa lei deu liberdade, mas não inclusão social. Para alcançar essa desejada
inclusão é necessário realizar políticas públicas que atendam à população negra. No âmbito dos Direitos Humanos proteger os direitos fundamentais que
além de prevenirem todas as formas de discriminação, propõem políticas publicas
de promoção à igualdade racial. Condenar atos preconceituosos de qualquer
ordem. Constantemente em convenções os
Estados signatários da ONU debatem questões sobre racismo, discriminações e
preconceitos para serem levados até as Conferências e depois se transformar em
pactos. Essas Conferências promovidas pela ONU se tornam documentos
internacionais ou nacionais que após serem ratificados e promulgados pelos
Estados signatários da ONU, as autoridades constitucionalmente competentes, por
força do disposto no artigo 5º,§ 2º, da Constituição Federal brasileira de
1988, se comprometem a proteger os direitos humanos fundamentais sob termo de
"ação afirmativa", ou melhor, definida de "medidas
especiais".O Estado brasileiro comprometeu-se a adotar, oficialmente, as
proposições da Declaração de Durban, no sentido de eliminar o racismo, o
preconceito, a discriminação e a falta de oportunidades para os
afro-brasileiros. Essa Declaração e o do Plano de Ação da III Conferência
Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerâncias
Correlatas, elaborada em Durban, na África do Sul, em setembro de 2001,
consideraram a escravidão e o tráfico de escravos como crimes contra a
humanidade e ainda reconheceu que os africanos e os afrodescendentes foram e
continuam sendo vítimas desses crimes. Apresenta o combate ao racismo como
responsabilidade primordial do Estado e da sociedade, incentiva o
desenvolvimento de planos de ação nacionais para promoverem a diversidade,
igualdade, eqüidade, justiça social, igualdade de oportunidades e participação
de todos, através, dentre outras medidas, de ações e estratégias afirmativas ou
positivas. As políticas de ação afirmativa para grupos vulneráveis encontram-se
diretamente vinculadas à luta pela prevalência do princípio da não
discriminação e é com base nessa função de assegurar ações de não discriminação
no Brasil que se problematiza e discute o problema do preconceito de raça/etnia
e a invenção do negro. Carecemos urgentemente de olhar e entender que só existe
uma raça, a humana e que somos todos dotados dos mesmos direitos. O respeito às
diversidades e a tolerância são bandeiras que devem ser impunhadas por todos em
prol de uma sociedade mais justa e equilibrada.
[1] O termo darwinismo social vem da teoria da seleção natural criada pelo cientista Charles Darwin,
que classifica os seres vivos em espécies e evolução. Para ele as
características biológicas e sociais determinam a superioridade ou
inferioridade dos indivíduos - determinismo biológico e geográfico.
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