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quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Preconceito de raça e etnia no Brasil: a invenção do negro


Rosana Schwartz
O preconceito de raça/cor e etnia não é um tema fácil, faz parte de um corolário (conjunto) de resistências e carrega uma história complexa. No século XV a cor da pele de um ser humano caracterizava condição de inferioridade ou superioridade. Indivíduos de pele escura originários de alguns povos convertidos ao islamismo atravessaram o estreito de Gibraltar em 711 e permaneceram na Península Ibérica até a conquista de Granada, em 1492, pelos reis católicos Fernando de Aragão e Isabel de Castela. Os vencedores cristãos (brancos) conduziram à escravidão os derrotados nas batalhas e capturaram em territórios muçulmanos muitos outros indivíduos para o trabalho escravo, tanto nas cidades como nos campos. Difundiu-se assim, a idéia de que não era errado capturar muçulmanos e vendê-los para o trabalho escravo. A cor escura das suas peles significava simbolicamente inimigo da fé cristã. Escravidão é a prática social em que um ser humano assume direitos de propriedade sobre outro designado por escravo, o qual é obrigado a tal condição por meio da força. Sem diferenciação das suas culturas, africanos de diversas nações foram denominados de forma genérica e homogenia de “negros”ou "pretos". (TINHORÃO, 1988).  Por isso “Negro” é uma invenção. A violência simbólica das “cores” das pessoas acompanhada das suas origens geográfica, locais de nascimento é fruto de jogos de poder realizados pela construção de comportamentos e produções humanas, históricas, culturais, sociais objetivas e subjetivas. Com o racionalismo e desenvolvimento das ciências modernas, nos séculos XVIII e XIX, as diferenças físicas ganharam explicação científicas, por meio das teorias das raças ou racistas. Nelas afirmavam-se que existiam raças biologicamente superiores e inferiores. Crenças científicas, oriundas das concepções do Darwinismo Social e do Determinismo Racial,[1] colocaram os africanos nos últimos degraus da evolução das “raças” humanas. Nascia assim, no mundo moderno, o racismo anti-preto ou negro. No Brasil as denominações “pretos” ou “negros para os africanos de eito, ganho ou doméstico, durante a primeira metade do século XIX, se tornaram comuns e a de “crioulos” para os nascidos no Brasil. Segundo o sociólogo  Norberto Elias, a reprodução dos preconceitos de raça e etnia aparece de diferentes modos. O primeiro modo seria a pobreza, pois o dominante precisa monopolizar as melhores posições sociais, prestígio social para expressar seu poder. Dessa maneira a pobreza é vista como decorrência da inferioridade natural dos despossuídos. O segundo modo é atribuir como características definidoras do grupo estigmatizado a desorganização social e familiar.  Esses estabelecimentos buscam uma “marca”, uma referência para justificar o desequilíbrio entre as relações de poder. No Brasil o preconceito racial não é plenamente visível em decorrência da ambiguidade dos grupos que compões a sociedade. Nos anos de 1980 o Movimento Negro Unificado - MNU, declarou necessidade de desconstruir o racismo “escondido” no Brasil. A ideia de “democracia racial”, em suas inúmeras versões impedia a organização das lutas anti-racistas. Para desmitificar esse conceito a princípio, os movimentos tiveram como base de sustentação os movimentos negros norte-americanos, que tiveram como luta inicial, os direitos civis e contra a segregação racial. Expuseram o processo de abolição não como um presente da princesa Isabel, mas uma conquista de negros e brancos unidos pelo ideal de liberdade, igualdade e equidade. Manifestações, organizações de grupos e quilombos, pressionaram a sociedade a ponto de levar á Lei Áurea, entretanto essa lei deu liberdade, mas não inclusão social. Para alcançar essa desejada inclusão é necessário realizar políticas públicas que atendam à população negra. No âmbito dos Direitos Humanos proteger os direitos fundamentais que além de prevenirem todas as formas de discriminação, propõem políticas publicas de promoção à igualdade racial. Condenar atos preconceituosos de qualquer ordem.  Constantemente em convenções os Estados signatários da ONU debatem questões sobre racismo, discriminações e preconceitos para serem levados até as Conferências e depois se transformar em pactos. Essas Conferências promovidas pela ONU se tornam documentos internacionais ou nacionais que após serem ratificados e promulgados pelos Estados signatários da ONU, as autoridades constitucionalmente competentes, por força do disposto no artigo 5º,§ 2º, da Constituição Federal brasileira de 1988, se comprometem a proteger os direitos humanos fundamentais sob termo de "ação afirmativa", ou melhor, definida de "medidas especiais".O Estado brasileiro comprometeu-se a adotar, oficialmente, as proposições da Declaração de Durban, no sentido de eliminar o racismo, o preconceito, a discriminação e a falta de oportunidades para os afro-brasileiros. Essa Declaração e o do Plano de Ação da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, elaborada em Durban, na África do Sul, em setembro de 2001, consideraram a escravidão e o tráfico de escravos como crimes contra a humanidade e ainda reconheceu que os africanos e os afrodescendentes foram e continuam sendo vítimas desses crimes. Apresenta o combate ao racismo como responsabilidade primordial do Estado e da sociedade, incentiva o desenvolvimento de planos de ação nacionais para promoverem a diversidade, igualdade, eqüidade, justiça social, igualdade de oportunidades e participação de todos, através, dentre outras medidas, de ações e estratégias afirmativas ou positivas. As políticas de ação afirmativa para grupos vulneráveis encontram-se diretamente vinculadas à luta pela prevalência do princípio da não discriminação e é com base nessa função de assegurar ações de não discriminação no Brasil que se problematiza e discute o problema do preconceito de raça/etnia e a invenção do negro. Carecemos urgentemente de olhar e entender que só existe uma raça, a humana e que somos todos dotados dos mesmos direitos. O respeito às diversidades e a tolerância são bandeiras que devem ser impunhadas por todos em prol de uma sociedade mais justa e equilibrada.   





[1] O termo darwinismo social vem da teoria da seleção natural criada pelo cientista Charles Darwin, que classifica os seres vivos em espécies e evolução. Para ele as características biológicas e sociais determinam a superioridade ou inferioridade dos indivíduos - determinismo biológico e geográfico.

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