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domingo, 3 de fevereiro de 2019

Representações femininas na literatura do século XIX: Dom Casmurro e Primo Basílio.


Representações femininas na literatura do século XIX: Dom Casmurro e Primo Basílio.
DOM CASMURRO: Romance Memorialista - oferece a construção de algo que se produz e se elabora na recuperação do vivido e do passado. Nesse sentido, que Dom Casmurro deve ser encarado, enquanto recomposição da imagem e cotidiano d época. Apresenta a misoginia da prática literária do século XIX – as imagens estereotipadas de mulher associadas a anjo - Maria ou monstro – Eva propicia o desvelamento da ideologia da sociedade patriarcal brasileira, embutida na construção das personagens e no desenrolar da própria trama.
Desenvolve uma prosa reveladora dos meandros da alma humana e através da ironia sutil, descortinar as mazelas da sociedade brasileira do século XIX, ainda colonial escravocrata e autoritária.
Em Dom Casmurro aborda questões sobre o feminino/masculino, espaço privado/público, formas de comportamentos, casamento, maternidade, fidelidade, religião, resistências e tensões, a partir do ponto de vista de um narrador homem e maduro – 50 anos.
Há, referências  sobre a  construção  cotidiana do  espaço,  à  mulher  e  à burguesia fluminense do século XIX. 
A narrativa é centrada num narrador personagem, que conta sua estória vivida, possibilitando pistas para a reconstrução de aspectos da vida cotidiana da época.
Narrado em primeira pessoa, remonta a história da vida de Bentinho (Dom Casmurro), desde a infância, seu envolvimento com Capitu e a incerteza da fidelidade da mulher entre 1857 até a separação entre Bentinho e Capitu provavelmente em 1872.
Sugere uma gama de locais, que possibilitam a reconstrução do período - (casa materna Rua Matacavalos, reprodução desta casa no Engenho Novo, seminário, casa de Pádua, casa de Bentinho na Glória, casa de Escobar em Andaraí, casa de Escobar no Flamengo, casa de Capitu na Suíça, o passeio público e outros).
A narrativa de Machado de Assis joga com os valores culturais e sociais vigentes no período imperial, com a condição feminina - as personagens refutam, questionam os papéis que lhe são impostos na sociedade brasileira.
Capitu é uma mulher que transcende a definição de esposa, mãe e o estereótipo de mulher/Maria é a Eva. Busca transpor o estabelecido; luta por emancipar-se, pois está cansada das exigências sociais e familiares que lhes são destinadas; quer experimentar algo que saia de si própria. Entretanto, o narrador pertencente a sociedade patriarcal, vê as mulheres como seres inferiores e nesse sentido, os olhos de Capitu correspondem em termos de força e intensidade, às palavras do marido. A mulher é silenciada e sua voz transborda através do olhar que trava uma luta intensa com o homem, detentor da palavra, e do poder.
Seu corpo está sempre em evidência, propiciando relações e imagens de vários tipos: os olhos, por exemplo, “são claros e grandes” (Assis, 1997: 85) ou então, “são de cigana oblíqua e dissimulada” (Assis, 1997: 85) e os braços são tão deslumbrantes que “merecem um período” (Assis, 1997: 210).  Traços que a faz oscilar entre a mulher Eva/fatal/desregrada/perigosa e a dona de casa/Maria/submissa/sofredora.
Como Eva, encontra na rua o ambiente ideal para se deixar contaminar pela possibilidade de traição: a figura feminina ao se mostrar num espaço público instaura a dúvida, a ambigüidade, pois apresenta a chance de se oferecer, na condição de promessa ou, até mesmo, mercadoria.
O leitor se depara com a abordagem dos variados temas universais existentes em Dom Casmurro, dentre os quais se encontra o adultério.  Era evidente o apreço pelos moldes originários da França, o romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert, e escritos  como os de Émile Zola, que possuíam  a  traição  conjugal  como  fio  condutor  de  suas  respectivas  tramas.
O diferencial de Machado  no  que  concerne  à abordagem da traição reside em sua recusa em biologizar problemas ou atribuir a eles um levantamento social que aponta o enfado da mulher burguesa como motivação para as relações adúlteras.
As mulheres cuja honra é posta à prova estão presente nas obras machadianas, como Marcela - Memórias  Póstumas , Sofia  - Quincas  Borba  e  Guiomar  - A  mão  e  a  luva. As fatais também a aparecem com Carmem, Manon  Lescaut,  Naná  e  Salomé,  “figuras  de  fascínio evidente”  (PASSOS,  2003,  p.  31).
As mulheres de Machado de Assis são personagens obstinadas e espirituosas. Fazem o que desejam e articulam suas vontades em meio a homens inseguros e mal-resolvidos.
As Mulheres no Século XIX e Capitu.
 O feminino e o masculino são construções históricas, sociais e culturais. Os discursos médicos, a educação, o cientificismo, a política higienista, o positivismo e a Igreja, durante o século XIX recriam e criam sob o olhar e poder masculino, justificativas sobre a dominação dos homens sob as mulheres, a divisão sexual do trabalho e o poder do homem branco europeu e norte-americano sobre os demais – teorias raciológicas.  
Capitu, dona dos lendários “olhos de cigana oblíqua e  dissimulada” é  representada,  igualmente,  sob  a  óptica  de  elementos literários franceses, porém inserida nos âmbitos social, familiar e cultural brasileiro. 
A narrativa é centrada num eu-narrador, personagem da estória - Bentinho como D. Casmurro – Dificilmente é dada voz a CAPITU.
1-    A construção da figura de Capitu é intencional, certas características sugeridas na primeira parte do romance têm o papel de apoiar a traição da segunda parte.
No capítulo XXXIV percebe-se a admiração de Bentinho pela capacidade de disfarce de Capitu com tom de espanto de fugir á regras sociais. “...Capitu compôs-se depressa, tão depressa que, quando a mão apontou à porta, ela abanava a cabeça e ria. Nenhum laivo amarelo, nenhuma contração de acanhamento, um riso espontâneo...”
Ao longo desse percurso, o objetivo de Bentinho é o de caracterizá-la como uma jovem voluntariosa, ativa, racional, calculista, capaz de lidar facilmente com situações embaraçosas e que está disposta a tudo para atingir suas metas. O narrador montou sua narrativa de modo a fazer caber na Capitu de Matacavalos a Capitu adúltera da Glória e a faz parecer como um ser reprimido, sem contorno e silenciado.
Capitu pode ser vista como o feminino inquietante, o perigo invisível que ronda a casa do século XIX.  Machado constrói uma imagem de mulher perigosa, segundo os discursos médicos, apela para alguns dados de categorias de mulheres que destroem a vida e a reputação de um homem.
A heroína conflui para a dissimulação e, por isso, quando é feita a comparação com Desdêmona, não há nenhuma chance de perdoá-la ou de nos apiedarmos dela.
De fato, Capitu abre precedentes para que se duvide de suas intenções é uma personagem calculista e transgressora, dona de seus atos e com poder de decisão.
O tema da mulher fatal é tão recorrente na obra que o tempo todo o vemos relacionado com a degradação e, sobretudo com a perda da inocência do narrador. Durante a narrativa, Capitu aparece como um ser mais capacitado, infinitamente mais maduro e dotado de muito mais atributos e sensualidade do que Bentinho/Casmurro.

2-    Apresenta também a importância da figura materna, que aparece desde a infância - o narrador-personagem cresceu a sombra de duas mulheres.

3-    Capitu é a representação da "MULHER DAS CLASSES MENOS PRIVILEGIADAS"- Machado de Assis relacionava os sentimentos humanos às  condições  sociais,  como  o  fizeram  Shakespeare,  Prévost  e  Mérimée, construindo a convivência mesurada entre universalismo determinismo geográfico, localismo.

4-    Perseverante aos problemas que a sociedade lhe impõe, lutadora por aquilo que deseja e pelos seus direitos, mesmo com suspeitas sobre si de uma hora para outra ela demonstra segurança invejável:- é ela que elabora o primeiro plano para livrar Bentinho do seminário (cap. XVIII); diverte-se convertendo a hesitação de Bentinho em ação (cap. XXXIII); beija Bentinho antes do pai entrar (cap. XXXVII); muda o rumo da conversa após o beijo (cap. XXXVIII); coloca o dedo de Bentinho na boca (cap. XXXIX); não teme revelar seus desejos diante da mãe e contém a cólera (cap. XVII); não teme admitir diante de Bentinho que conhece sua fraqueza "...Você? Você entra..." "... Você verá se entra ou não." (cap. XVIII); etc.

5-    Em “Dom Casmurro” opiniões severas quanto à imagem feminina aparecem em personagens como José Dias ao falar sobre os olhos de Capitu, da força de suas palavras que é tão grande ao ponto de Bentinho repetir a mesma frase e a afirmação acaba por tornar-se uma obsessão para o protagonista. José Dias pergunta a Bentinho: “Você já reparou os olhos dela? São assim de cigana oblíqua e dissimulada. Pois, apesar deles, poderia passar se não fosse a vaidade e a adulação.”

6-    Os protagonistas se apresentam sexistas como impunha a consciência social daquele período, transformando os relatos em visões unilaterais das ocorrências.

7-    O tema do adultério é exposto a perspectiva masculina.

8-    Apresenta visão crítica e incisiva dos narradores diante das personagens femininas. O romance apresenta a opinião e julgamento das ciências da época sobre as mulheres, por isso as personagens femininas são descritas como dissimuladas interesseiras, sensuais, eróticas, traiçoeiras e caprichosas por um lado e por outro a mãe matriarcas.

9-    Sob vários aspectos, Capitu é uma mulher inventada em sua condição de produto de desejo, aparece consciente da dependência de Bentinho em relação à mãe (cap. XVIII); e por isso aproxima-se de dona Glória a partir do episódio do Protonotário Apostólico (cap. XXXV); é aceita como nora antes mesmo de anunciado o namoro e casamento (cap. C), etc.

10- Ela é reflexiva:- colhe informações e medita sobre o assunto antes de conceber o plano (cap. XVIII); medita sobre a conversa entre mãe e filho (cap. XLII), etc.É econômica:- economizou dez libras esterlinas sem o conhecimento de Bentinho (cap. CVI). Capitu é capaz de fazer o que é necessário para atingir seus objetivos.

11-  No romances predomina a visão negativa sobre as mulheres. Expõe a natureza feminina de maneira depreciativa ou caracteriza a mulher como um mal necessário à sociedade.

12-  Os romances parecem construídos à conclusão de que as mulheres serão a ruína dos homens, sendo estas sempre manipuladoras, dissimuladas e artificiosas, construídas a partir do arquétipo de Eva que guiará os homens à expulsão do paraíso.


13- Silenciada, acuada e sem a menor possibilidade de defesa, a mulher deverá ser punida de sua possível transgressão – de preferência com a morte –, a fim de que seja mantida a ordem na sociedade. O envio de Capitu à Suíça e lá sua morte simbolizam a manutenção da ordem rompida e põe um fim ao risco.
As mulheres na literatura eram representadas segundo os valores da sociedade em Primo Basílio, Eça de Queiroz apresenta Luísa desde o início do romance, como uma mulher sonhadora que fantasia com o mundo romântico e idealizado dos livros que lê. No romance fica fácil perceber que essas idealizações são de natureza erótica e denunciam sua insatisfação com a ociosidade de seu cotidiano. Nesse sentido, a busca pela realização de suas fantasias acaba levando-a a degradação moral feminina – o adultério – a transforma de ser inerte à ser móvel, revestido de negatividade e repugnância.
A traição de Luísa é fruto de um instinto sexual reprimido e não convenientemente sublimado, conforme as exigências do código social. Uma de suas múltiplas tentativas de sublimação está no refúgio da leitura romântica.
Por não encontrar no lar as emoções suficientes ao seu temperamento e imaginação ardentes e também por não possuir uma educação capaz de a sustentar e dirigir, Luísa opta pela destruição de sua condição de esposa que esperava dela uma conduta condizente à suas promessas de fidelidade e companheirismo.
Temos a personagem diante de sua própria sexualidade, em circunstâncias conflitivas, que implicam na existência de uma lei que deve ser respeitada. Sendo assim, a construção da personagem tem como premissa que uma mulher possuidora de uma educação lírica sentimental, baseada na leitura de folhetins baratos e de linguagem romântica, endossada pela ausência do pai e pelo pulso fraco da mãe, se transforma em nada menos que idealizadora de um príncipe encantado.
Tanto Luísa quanto Capitu só têm a possibilidade de ocupar um espaço dentro da sociedade em que vivem: aquele que lhes é reservado pela expectativa criada por uma ideologia autoritária e patriarcal.
A nenhuma delas é possível sair de seu espaço restrito para se aventurar num mundo mais amplo, mundo este do trabalho e da realização pessoal.
Ao propagarem um discurso alheio, masculino e arbitrário, essas heroínas são, também, criaturas criadas por autores masculinos que falam por elas.
Boa Reflexão.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Os Kaxinawás do Acre, criam game sobre sua história para preservar cultura local

https://www.youtube.com/watch?time_continue=131&v=f5m88A4oRHo

por Revista Prosa, Verso e Arte.
Ao longo dos últimos anos a tecnologia assumiu um papel importante em nossas vidas, influenciando no modo que agimos e pensamos. Recentemente, todo esse aparato tecnológico foi usado como ferramenta para preservação cultural do povo indígena Kaxinawá. A tribo Huni Kuin (ou Kaxinawá) desenvolveu um jogo eletrônico, que pode ser baixadogratuitamente, possibilitando uma experiência de intercâmbio de conhecimentos e memórias indígenas. Isso mesmo, a comunidade indígena localizada no Acre, Brasil, montou uma equipe de programadores, artistas e antropólogos para criar seu próprio videogame. O projeto se chama Huni Kuin: os caminhos da jiboia e trata-se de um jogo de plataforma de cinco fases, onde cada fase conta uma antiga história do povo Huni Kuin. A proposta é propiciar uma imersão no universo Huni Kuin, em que os jogadores possam entrar em contato com saberes indígenas – como os cantos, grafismos, histórias, mitos e rituais deste povo – possibilitando uma circulação destes conhecimentos por uma rede mais ampla.
“Um casal de gêmeos kaxinawá foram concebidos pela jiboia Yube em sonhos e herdaram seus poderes especiais. Um jovem caçador e uma pequena artesã, ao longo do jogo, passarão por uma série de desafios para se tornarem, respectivamente, um curandeiro (mukaya) e uma mestra dos desenhos (kene). Nesta jornada, eles adquirirão habilidades e conhecimentos de seus ancestrais, dos animais, das plantas e dos espíritos; entrarão em comunicação com os seres visíveis e invisíveis da floresta (yuxin), para se tornarem, enfim, seres humanos verdadeiros (Huni Kuin).”